As presentes notas serão, temos certeza, taxadas por muitos que lêem este artigo como “moralistas”, como “frutos de um tempo passado”, como uma busca de regras sob um falso moralismo burguês, imposto verticalmente por uma classe que se pretende dominadora. Não é nada disso. São sim frutos de dupla face: por um lado, de criação, daquelas idéias que nos são incutidas ainda na infância, e pelas quais buscamos o respeito e o cumprimento. Por outro lado, são apenas constatações, que não se pretendem definitivas, muito menos almejam a uma resposta verdadeira.
As telenovelas são no Brasil um poderoso veiculo de difusão de idéias e comportamentos. São sempre alvos de críticas por parte de estudiosos que verificam em sua essência a presença da indústria cultural, que estaria disposta a vender e massificar padrões de pensamento e de consumo, de forma a alimentar a máquina capitalista. Sob sua máscara de diversão fútil, esconder-se-ia um poderoso elemento ideológico, disposto a infantilizar as mentes dos mais desavisados.
Entretanto, acreditamos que as telenovelas cumprem um importante papel social, ao colocar em discussão os mais prementes temas de nossa atualidade, os quais muitas vezes não recebem o tratamento adequado, mas que lançam as sementes para uma posterior discussão, desde que haja a preocupação em se buscar subsídios para tanto. Verificamos como exemplos as vezes nas quais foram tematizados a Síndrome de Down, a homossexualidade, o alcoolismo, a esquizofrenia, entre outros assuntos. Enredados na trama das telenovelas, tais assuntos levantaram as questões para o público que, embora muitas vezes possuísse algum conhecimento sobre o tema, puderam acompanhar estas “realidades” em seu momento de descanso.
A partir desta questão, verificamos uma outra questão a ser debatida. Exibe-se na Rede Globo, no horário das nove da noite, a telenovela Viver a Vida, de autoria de Manoel Carlos. Este autor destaca-se por sua longa lista de produções, que abrangem um período iniciado em 1952, na TV Excelsior. Em suas outras tramas, já abarcou diversos outros temas, como o bissexualismo, o jogo do bicho, a vida ao redor dos doentes de câncer, proporcionando uma visibilidade às discussões. Sua atual produção, porém, envereda-se por um caminho tortuoso.
Um dos pontos de relevo na condução da trama é a infidelidade, esboçada desde o início da novela e que, com o decorrer dos capítulos, ganha cada vez mais presença no roteiro. Onde está a problemática? Vivemos em uma sociedade eminentemente cristã, seja quais forem as suas diversas denominações. Somos criados, desde a tenra infância, com base em determinados princípios que condenam tal comportamento ao demonstra-lo como contrário as determinações de Deus. Percebemos o valor e a ênfase dada à família no discurso cristão, e cada vez mais notamos a desagregação desta instituição nos dias hodiernos.
Para além desta discussão (a qual não é objeto para esse espaço), há outros aspectos a serem abordados. Quando nos referimos à infidelidade, pensamos, em primeiro lugar, na questão do respeito ao outro. Em nosso tempo, não sejamos hipócritas: há uma ditadura do presente, um imediatismo que perpassa todas as instâncias de nossa vivência. Desta maneira, o respeito aos demais parece diluir-se em um comodismo do instante: muitas vezes esquece-se o que já foi feito por alguém em virtude do desagrado momentâneo, e isto é razão para que outros comportamentos sejam aceitos como válidos.
Somado a este aspecto, enveredamos ainda por outro caminho. As preocupações presentes, refletidas, por exemplo, no âmbito escolar, remetem cada vez mais a uma necessidade do compromisso com aquilo com o que nos propomos a fazer. Somos instados, em diferentes momentos, a “vestirmos a camisa” de uma causa, de uma instituição, a “abraçar a ideia” de um projeto. Recebemos o estímulo cada vez maior à noção de compromisso. Tristemente, este pensar em voz alta percebe na atual telenovela uma naturalização deste comportamento contrário. A infidelidade é trabalhada de uma maneira pela qual o público, muitas vezes, torce para que a mulher ou o homem fique com o amante. Os compromissos assumidos são deixados de lado para a consecução do momento, para que se busque a felicidade, mesmo que isso despreze o anteriormente construído. Dessa forma, indagamos: onde estão o respeito e o cumprimento do compromisso? Perdemos definitivamente a crença no valor da família, e de sua função? Não, não é errado buscar a felicidade, mas essa parece ser feita a qualquer custo, no qual o individualismo é gritante, onde o “eu mesmo” pesa mais que o sentimento da solidariedade e da honra à palavra empenhada, mesmo que de forma velada.
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